E tudo começou com uma bacia, depois virou um foco de luz...
mentiiiiiiiiira!
Começou mesmo aprendendo a andar e caminhar, montando na
sela no cavalo – maneira meiga de associar rapidamente o andar cênico no
teatro. Temperaturas e mais temperaturas de voz e movimento.... Alongamento, Absurdo, Brecht, Stanislavski, teste e reviravolta na vida pessoal, provocando meu afastamento por um mês – eu
disse UM MÊS FORA DOS ENSAIOS.
Um processo completamente avesso à tudo que já vivi no
teatro antes, um tanto enlouquecedor com um fundo de enriquecimento – não posso
negar – mais requintes de uma estranha solidão – independente da minha ausência em
si – já que o teatro é em essência uma arte de grupo, coletiva por natureza.
Sensação de falta de comunicação, direção e marcação. Proposital, sei que não
foi – até porque isso foi me dito com todas as letras – mas teve um propósito
bastante intrigante, que eu não sei se entendi até agora.
No fim, ensaiar sozinha, por minha conta, adiantava o meu
processo.... e um processo que, vou contar pra vocês, que foi uma montanha-russa.....
montanha-russa de direção, marcação e cena – porque não?
O que era só uma cena de água com bacia, virou bacia e água,
várias nuances, até chegar na bacia com água e música! Num misto de Iemanjá e Samara
(O Chamado), eu – repito – quase enlouqueci
tentando acompanhar o raciocínio da diretora, tentando me encontrar dentro do
espetáculo que ela via na cabeça dela.
Nos apresentamos duas vezes – ao menos, eu considero assim –
uma bastante intimista só pra calouro ver, numa das salas do Doze e a outra no
palco do Pedro Ivo – mas dessa eu vou falar já já....
Quero falar da primeira, primeiro – que oficialmente só foi
um ensaio geral com público – pois pra mim foi a mais intensa, a que mais bateu
fundo, era como se eu estivesse no palco, eu sentia como se aquele chão de
sempre, tivesse se transformado, e mesmo com tudo improvisado – sem cenário,
luz, maquiagem – foi extremamente profissional e me marcou por eu ter
trabalhado minha voz como nunca trabalhei antes, fui pro grave – não me
pergunte como – e cantei – continue sem fazer perguntas – e dei meu texto, fiz
minha cena com uma paixão, que eu nunca tinha encontrado antes!
Não consegui agradar muito minha diretora – não agradei mesmo – com
toda essa performance que fugiu de tudo que ela queria, mas fui notada, percebida
e elogiada por uma das presentes, o que me surpreendeu de um jeito e me
envaideceu ao ponto de fazer meu olho brilhar diferente, me fazer iluminar de
dentro pra fora – sem perder a linha.
Mesmo assim, a maior
interessada não estava feliz, e como pra atriz aqui, autoridade máxima é a
direção, dei meu jeito de desconstruir toda a cena uma semana antes de ir ao
palco – sendo que num ensaio extra as marcações e a cena em si se transformou
completamente 2 dias antes...
Enfim, cheguei ao Pedro Ivo..... passei lá com meus colegas
de cena e palco um dia inteiro até finalmente cair a noite e soarem os três
sinais – intermináááááveis – numa
escuridão dos infernos entre reclames da JP – chamadas mais chamadas sem
fim....
E no fim, entre a tensão muscular e distensão – no sentido
de relaxar mesmo – finalmente a cortina
se abriu ao som do samba que abriu nosso espetáculo e a luz que faltava atrás
das cortinas se revelou na ribalta fulminante – não querendo quebrar seu
encanto, mas já quebrando, se você me viu chorando no início da peça, não foi
emoção, foi a luz mesmo que me feriu os olhos.
Foi diferente.... diferente
daquela primeira apresentação.... diferente de todas as vezes que já pisei num
palco.... eu estava calma.... estranhamente calma.... fria....
Antes, me encantei com o teatro que era lindo, com a marcação
de luzes – que não me lembrava de já ter feito – me dando conta que ia ter um foco
todo em cima de mim – efeito inédito na vida, que dirá na carreira.....
Na hora h, pra valer, enchi minha bacia além da conta
necessária, e quando saí, tinha um peso muito maior pra carregar até a minha
marca, o que se traduz num rastro molhado da coxia – bastidor, lateral de
palco, por onde atores entram e saem, meus queridos – isso tudo, com meu cabelo
completamente na cara – como a foto mostra – no meu melhor estilo Samara saindo
do poço, repousei minha bacia lindamente – nem sei se foi tão lindo assim – e lá
fui eu me lavar – estranhamente quase sem me molhar – cantando o samba que me
deram, abri os cabelos e encarei o vulto de imensa escuridão na minha frente –
sentindo pouco calor humano bem próximo e imaginando no fundo da minha
consciência que o teatro estava completamente vazio...
Num dado ponto do monólogo – também primeiro da minha vida
num palco
– começaram a rir e não era por mim, era pelo estilo Samara
adentrando o palco, mas na hora eu encarei como se estivessem achando graça do
meu drama – ao menos na minha cabeça era isso que eu estava fazendo e aí eu
fiquei com raiva e o resto todo saiu espumando pela boca..... – e eu de tanto
levar a sério o que dizia, não percebi a graça que tinha na desgraça de texto
que eu anunciava com os lábios.... – sentiram a sutileza?
Queriam que eu assustasse, acabou que saiu ao natural – o objetivo da cena era fazer quem me visse se sentir mal... horrorizado – consegui um efeito beeeeeem significativo, quando me levantei e fiquei de pé, realizando toda a energia raivosa que estava – vide foto de cima – senti o ar pesar e parar de expectativa e até um suspiro alto eu escutei e aí tudo se encaminhou pro fim da minha participação solando.
Depois voltei à cena para fazer composição de cenário –
cenas que pedem mais gente pra dar credibilidade ao que está acontecendo ou aonde está acontecendo, nosso caso era o que estava acontecendo: barraco – e voltei
ativamente para fazer a cena da macumba – ahhhh a cena da macumba – de desfecho da
nossa história, agora eu era praticamente a vingança da minha personagem –
porque voltava ainda nela, só que em pleno terreiro – mudei a postura, o “penteado”
– taquei o cabelo todo pro lado – e fui tacando pétala de rosa vermelha pelo
palco, finalmente resolvi destoar do “coro” – de coral – das macumbeiras e dei vida à um daqueles gritinhos clássicos “Valei-me meu pai” e riram.... e eu me espantei
– estranhamente e de novo, só que dessa vez, não tive acesso de raiva – cheguei
a pensar em repetir a dose, só que ponderei se ficaria de bom tom e me
auto-sabotei, me dei uma censurada básica....
Muito mais tarde, descobri que minha colega, que era a última
a entrar jogando as flores e cantando, voltou pra trás – pra coxia – pra respirar
fundo por conta do bendito gritinho e eu morri de rir, mais ainda quando
finalmente descobriram que fui eu a autora do grande caco da noite – improviso,
texto que surge na hora, que não tava no script...
As cortinas tinham se fechado, a gota que faltava finalmente
caiu, o copinho transbordou.... fomos aplaudidos de pé pelo público e pela
crítica – de quem mais? Advogado do Diabo e a Luz que era nossa diretora –
sobrevivemos, enfim....
Eu sobrevivi, mesmo achando que estava mergulhada no caos –
e realmente estava profissionalmente e pessoalmente falando – mas eu consegui segurar
as pontas, não desistir, arranjar forças, inspiração – na Joana de Ana, na Ana
enfim.
Conquistei meu espaço sem saber que tinha conquistado um de fato, quando
me revelaram que jamais pensaram em me cortar do elenco pelas minhas faltas,
pois eu conquistei um artigo de luxo durante o processo: respeito.
Senti meu espaço aumentar e curti cada instante que me
confiaram, me senti honrada com as palavras que escutei na nossa última noite
de feedback final e eu vi a Luz brilhar.... até nas últimas palavras de
feedback do Advogado do Diabo, que viriam logo depois, vieram calmas e
extremamente coerentes.
Agora eu sei.... devo ir além... muito mais além!
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