quinta-feira, 2 de junho de 2011

MUAHAHAHAHAHA....


Demorei. Comecei um zumbi. Não estava em mim. Até que tive que me fazer de morta pra viver. E morrer de olhos abertos, como decidi morrer, achando que tinha encontrado o modelo de morte (fictícia) perfeita, foi pura ilusão, engano meu: prolonguei o sofrimento. Morrer de olhos abertos, te faz enxergar, com os olhos parados, eles precisam morrer antes mesmo de você, e seu corpo morre na medida em que você vai se abandonando, desistindo de lutar por respirar, tentando manter seu máximo de ar no mínimo de movimento aparente e que seja capaz de sentir, ir diminuindo o ritmo, a tensão, ir respirando em slowmotion... tentando deixar a respiração como uma pluma, curta e leve.... E os olhos abertos que veem tudo, te traindo? Eles trapaceam, te passam a perna e te fazem delirar, se enchendo de lágrimas, se fazendo mais fortes do que tudo que você tentou, tentou.... e eu morri na praia! Não consegui morrer com dignidade, não morri... não encontrei uma formula, porque como todos, nunca morremos antes, não sabemos como funciona.... Estávamos mais pra zumbis, levantando ao chamado, e com uma gana de levantar que chegou a duvidar dos meus sentidos, se estava em pé, e o que era que fazia minhas costas pegarem fogo daquele jeito e querer sair correndo... confuso? É foi.... sensações passadas e pessoais que senti raras vezes se iniciaram a uma pequena tontura e um desejo louco de RESPIRAR. Eu já era um zumbi antes de me fingir de morta, nas cenas com princípio e fim do texto que vamos gravar amanhã, eu não me encontrava, não estava ali como devia, fui um zumbi em cena.... E morri sendo um zumbi, ressucitei zumbi. E onde eu ia parar? Descobrindo que tenho mais talento pra matar que ser morta. Minha próxima cena era a chave da técnica da noite, finalmente nela, descobriríamos  como se faz a morte em cena. E não é só o morto, é a morte. E ela presente, nas pessoas envolvidas por ela, como ela os envolve. É isso que mata alguém, tem quem o dê como morto. E para matarmos um colega, sentimos seu peso.... E com ele, eu parti com amor, na minha primeira intenção, mas a voz de um colega começou a me irritar e meu envolvimento com o morto, passou a ser mais passional, passei da irritação ao aborrecimento por não conseguir me concentrar com aquela voz que não se calava e o peso que sentia, não queria mais carregar aquele fardo. Finalmente abandonamos o "corpo" ao chão frio, passei a mão nos cabelos, olhando baixo, olhando pra ele, sem saber o que sentia... até que minha colega de cena, coloca a bala no tambor da arma e eu finalmente puxo o gatilho.... A cena se engatilha, tudo se encaixa, eu estava fria, era uma entre os responsáveis por aquela morte, era uma assassina sem o menor pudor ou arrependimento. Meu deus, nunca senti tanta frieza, queria me safar e ponto. O "corpo" que se livrassem dele e que não deixassem rastros na minha direção. A loucura foi tanta que me perdi de duas colegas de cena, sem me dar conta.... uma delas se apresentou como uma ameaça a mim e ao meu plano B, que tentava traçar depois de tanto caminhar sem sucesso com aquele corpo pesando. Eu não perdoaria uma intrusa, mais uma ameaça ali, já me bastava o remorso pra me tirar do prumo. Então fui de encontro com essa minha colega e a fiz minha refém, ela relutou, mas eu rendi ela, que logo se perdeu..... e não a encontrei mais na cena... a outra alma perdida, surgiu descontrolada, com os nervos à flor da pele e me provocava.. mais até do que a voz masculina inicial, ela era como se fosse o fogo no feno. Então, nosso colega, o dono da voz masculina que me tirou do sério antes, foi o dono da bala certeira e do gatilho que fiz questão de puxar: era ela, a razão para estarmos ali, e eu, arriscando a minha pele, ela era a cabeça por trás de tudo, a mentora do assassinato... com aquele trunfo, eu parti pra cima dela.... e COOOOOOOOORTAAAAAAAAAAAAA!
A ópera, enfim se resume: o assassinato, envolveu o morto em uma trama, que fazia dele um morto, e nosso envolvimento todo nisso tudo nos fez estar numa cena onde havia morte, morte mesmo. Uma morte de mentirinha, mas com uma cara de verdade, que assustou. Nosso mortinho da Silva, quando foi chamado de volta, ressurgiu das cinzas feito Fenix, querendo voar... tamanha agonia que sentiu e nós todos envolvidos com ele na cena, contribuímos pra ele se sentir pior: afinal estávamos brigando sobre como se livrar dele. Loucura? Sem nós, ele não estaria morto, literalmente, na brincadeira toda. E o mais incrível foi de onde eu parti e pra onde eu fui no final? Minhas primeiras intenções amorosas perderam pras intenções de quinta de uma assassina fria, cruel e calculista que se revelou aos poucos pra mim. Ironicamente, essa era a personagem que eu tentei em um teste na semana antes. A personalidade era praticamente alma gêmea da outra, mas essa minha personagem era minha, com todos os direitos reservados, desde a técnica à loucura que me envolveu. Fazê-la me fez ir na sombra, ir mais no fundo.... bem no fundo...  e desejar mais uma vilã....  mais vilãs.....

Eu e meu parceiro do início da noite nos reencontramos e completamente mexida, e sob efeitos colaterais e especiais do exercício da nossa técnica um tanto quanto, fui aos céus, terminei carregada nos braços dele, comemorando, porque finalmente consegui dar de mim o bastante, pra ser as duas partes, que dava o texto e que o recebia, personalidades, personagens opostas e eu consegui até aquele ponto, finalmente, pela primeira vez fazer a virada da sofredora pra vilã e dar a ele as costas.

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Making of do Making of

Making of do Making of
Eu queria falar, dizer tudo que sentia, vivia, guardar de algum jeito cada pequeno detalhe, que me transformava em uma mulher, uma Atriz. Assim, eu criei esse espaço... tão meu.... seu.... nosso.... Aqui, eu tenho a minha coxia em forma de livro... um livro aberto de minha autoria — Renata Cavalcante, 28 anos, carioca da gema, prazer.... — narrando os bastidores da minha memória viva desde a preparação de Jeam Pierre até me tornar atriz da Cia. Grito de Teatro de Santa Catarina, numa evolução que vai do querer ser profissional a ser oficialmente reconhecida como tal — o antes e o depois do DRT, aqui pra você!

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