domingo, 17 de julho de 2011

1+1


Durante o banho, passava o texto, quando tive essa brilhante idéia, uma inspiração... Ensaiar com alguém seria um sonho... já sabia quem... mas aonde? Meus pensamentos foram se encaixando e um homem se desdobrou em três. No fim, conseguimos estar juntos todos num mesmo espaço e em cena. Eu e os homens que se tornariam meus amores.
Em dois dias, nos amamos. E acima de tudo nos inspiramos. As segundas e terceiras intenções estavam ali, em mim e em cada um dos três atores que estudaram comigo nessas duas noites seguidas.
Quebramos vários tabus, enormes para homens e conflitantes para mim, enquanto mulher. A intimidade, dar-se e se permitir à liberdade de tocar, de se aproximar de verdade de alguém e se olhar a ponto de cegar, de se deixar trair pelos instintos, de não se reconhecer mais. E ter um brilho no olhar, um fogo, uma chama acesa, provocar brasas e esquecer como as linhas de um texto se encaixam em frases, formam parágrafos e a ordem que eles têm... dos movimentos, onde começam e terminam, qual vem antes do quê e depois? Foi como delinear com um lápis um rascunho sem saber como ia ficar, se ia ou não terminar em uma obra de arte.
E fizemos arte sim. Meus homens, em cena, me mataram de orgulho, não só por não ter medo de chegar perto de mim, de me tocar, como de me provocar, me fazer sentir viva... eles rebolaram. A cada rodada, eles se desafiavam e não tiveram vergonha de mim, muito menos de errar, o que pra mim é lindo. Eles se desprenderam dos pudores, me escutavam e seguiam me surpreendendo, me encantando mais do que eu poderia antecipar e imaginar.
Parece rasgação de seda pura, mas ter homens dispostos a se concentrar e focar nos olhos de uma mulher ou nos olhos de outro homem, é de um desprendimento, que mal conseguimos apontar à um único homem, que dirá à três. E eu fui privilegiada.
Eu, pessoalmente, encarei meus altos e baixos, meus pontos fortes e fracos, tanto na aproximação como na própria concentração. Não achem que é fácil ter uma cena de casal pra fazer, porque não é e acredito que nunca vai ser. Inicialmente, você por mais experiência que possa ter tido, sempre se choca no primeiro contato, e é sempre um desafio imenso estabelecer uma ligação tão forte como uma passional num estalar de dedos diante do desconhecido.
E eu, sou nova nisso. Nunca na minha vida tive cenas assim pra fazer, textos em que as palavras que estudo seriam ou já foram ditas por mim, e todos de momentos conflitantes, se encaixando na minha história, em momentos meus... e não podendo ser minhas.... eu nunca estudei e fiz drama antes.
Imagine você tentando estabelecer essa ligação, tendo o amor como sua matéria bruta e prima de trabalho e ter que ir além disso partindo pro conflito? Além do amor, você tem que estabelecer toda uma intimidade que está nas entrelinhas, junto com o amor, e faz a relação a dois parecer ter sentido e verdade aos olhos de quem vê.. isso sem se trair e cair no clichê da raiva... faz sentido...?
É, mas não é fácil... é estranho.... e prazeroso, sem malícias infantis, mas sim daquele prazer de quando conquistamos além, o ir além de nós mesmos. E eu fui, fui tocada, fuzilada, intimada, intimidada, sensibilizada e inspirada. Junto com os três, consegui essa intimidade, esse amor e todo esse conflito...
Descobrimos muito de nós mesmos, nos dando feedback antes e depois de cena, e com calma.... nos conhecemos mais, nos testamos, nos desenvolvemos, evoluímos. Olhando um pro outro, podendo apontar o exterior que somos incapazes de atingir quando estamos contracenando com um batente de porta, por exemplo.
Quando que sozinha, eu ia descobrir que minha voz começa num timbre forte e vai murchando até o final das frases? Que estava me movimentando demais e precisava diminuir e me concentrar com os pés no chão? E o mais engraçado é que imediatamente depois, estávamos já nos ajustando, tentando nos adaptar, minimizar as falhas nossas.
Em teatro, temos a sorte de uma preparação real, mais prolongada e intensa, para TV é tudo tão novo e automático. Temos uma indústria prestes a nos engolir, se ousarmos ficar fora do compasso, do timing.
Mas quem disse que não podemos abusar de velhos truques? Ensaiar com um texto para esse fim, para nós, que estamos nos descobrindo, para mim, significa nos preparar pessoalmente e até para um preparador. Nos deixa capaz de experimentar mais emoções, e digo isso em intensidade e versatilidade.
Eu experimentei tudo que podia naquelas noites e foi intenso....
Incluindo um beijo, meu primeiro beijo em cena, e sem ninguém pra cortar. Esse instante em particular, me fez sentir fora de mim, e o que passou na minha cabeça? NADA, me esvaí de qualquer pensamento.... e analisando de fora depois, foi como se eu revivesse um passado, sem reviver, sem saber onde colocar as mãos, como fazer... mas as mãos e todas as partes do corpo criam vida própria  nessas horas, e, por instinto sabem pra onde querem e devem ou não ir... foi estranho e foi natural − de um desprendimento − que eu acho que é no fundo o que significam os beijos em cena. Você se desprender de si, para se doar ao outro, tentando formar em 1+1 mais que dois, como se fossem dois em um, e esse um de arte, estética e uma intenção. É importante não perder ela nunca nem nessas horas, saber se entregar sem perder o controle, esse é o segredo que guardamos à sete chaves para que uma cena realmente aconteça de verdade.
Qualquer um, diante de uma confissão dessas, de fora, e sem o menor conhecimento de causa, poderia julgar e taxar o que fizemos de pegação, indecente ou vulgar. Mas fomos além das aparências e superficialidades, que só uma mente maliciosa poderia alcançar: tudo que foi feito foi cena, e, além: foi arte! Um profissional de longe saberia distinguir como comprometimento e busca, fomos atrás de uma essência, da nossa...
Humanidade é a chave para interpretar de verdade, porque nossos personagens são humanos como nós e suas relações também o são. Nada mais justo e coerente que buscar outros seres humanos para fazer da nossa própria arte mais humana ainda, mais pulsante, viva. Concentramos e nos envolvemos, mergulhamos fundo num abismo, que eu pelo menos nunca tinha entrado.
Nas entrelinhas que delineamos, eu confio, nas histórias que construímos, eu confio, nas cenas, eu confio, neles, meus três amores, eu confio, e, principalmente, muito mais em mim agora, eu confio. E posso garantir que não cheguei lá.... e não tenho pressa.... está ficando bom.... 

2 comentários:

Harrison Reis de Sousa at: 17 de julho de 2011 às 23:27 disse...

Verdade, e tenho orgulho de estar tido lá. Meus amores!

Jamil Vigano at: 18 de julho de 2011 às 00:15 disse...

Que loucura! Isso tudo ficará na história sem dúvida alguma! Viver o que vivemos é indescritível, uma experiência que não cabe em palavras! Foi tudo muito bom, e tudo muito novo! Guardarei estes dias na mente e no coração! Muito especial ter vocês comigo!

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Making of do Making of

Making of do Making of
Eu queria falar, dizer tudo que sentia, vivia, guardar de algum jeito cada pequeno detalhe, que me transformava em uma mulher, uma Atriz. Assim, eu criei esse espaço... tão meu.... seu.... nosso.... Aqui, eu tenho a minha coxia em forma de livro... um livro aberto de minha autoria — Renata Cavalcante, 28 anos, carioca da gema, prazer.... — narrando os bastidores da minha memória viva desde a preparação de Jeam Pierre até me tornar atriz da Cia. Grito de Teatro de Santa Catarina, numa evolução que vai do querer ser profissional a ser oficialmente reconhecida como tal — o antes e o depois do DRT, aqui pra você!

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