domingo, 21 de agosto de 2011

Às mil maravilhas de Alice


Que semana intensa.... antes de me aprofundar em Alice e nas gravações, preciso me confessar em outro sentido... vivi uma situação de cena, que nas entrelinhas, envolveu a razão pela qual esse blog nasceu e me provou que não estou me enganando com essa carreira, nem comigo. Fui feita pra ela, pra crescer com ela, arriscando com ela, me atrevendo com ela, me descobrindo e me revelando com ela. Sendo mais eu, e, muito mais do que eu, de dentro pra fora e além.
No calor do momento, quase me traí, quis fugir... então, era um ultimato pra mim, profissional e pessoal. E, eu cheguei, sim, a pensar na fuga... por quê? Sou humana e diante do inevitável e desconhecido, tendo a me amedrontar. Sou imperfeita e passível de toda a sorte de pensamentos ruins, loucuras, altos e baixos, que possam vir – e vem – me assombrar o juízo e me confundir – as famosas caraminholas ou minhocas, a quem preferir.... Ser fraca, faz parte de tudo que sou, e é sendo fraca, que consigo ser forte. São nessas minhas fraquezas, que encontro as minhas forças e me encontro. E, eu, na minha pele, não cedo assim tão fácil – principalmente quando amo. E não fugir, seria uma prova desse meu amor, ganhar uma aposta de mim mesma, meus limites... E, se não fosse capaz, não seria uma atriz de verdade. E eu sou.... venci essa minha queda de braço solitária. Me recompus e nisso se passaram – praticamente – horas até a minha cena chegar. Me preparei. E quando acabou, me surpreendi, vivendo uma das minhas melhores cenas, desde que voltei à ela, com o aval de Jeam Pierre.
Agora, já posso partir pra minha Alice. Gravei com ela em dois tempos e quase morri do coração no primeiro. Nunca senti meu coração bater como bateu naquela noite, como se batesse no seu primeiro sopro de vida, no ritmo de uma bateria de escola de samba em pleno recuo da Sapucaí. 
A câmera estava distante, mas não foi a distância dela que me deixou tão à flor da pele, que me fez vibrar o sangue e me descompensar ao ponto dos olhos se encherem de lágrimas em plena comédia – e não, eu não chorei... Na minha cabeça, nada se passava, nenhum pensamento – me esvaí – só conseguia me retesar e vibrar por dentro e por fora – eu tremia.
Éramos cortamos numa lógica que só pertencia ao grande advogado do Diabo – Jeam. Ele nos cortava com o comando de troca, e, a partir dele, devíamos continuar o texto do ponto em que a pessoa que foi cortada, parou. Juro, que já nem sei se raciocinava, sei que me contorcia no corpo de Alice, naquela fila em L. Instintivamente, eu procurava apurar meus ouvidos... e mesmo naquela pressão toda... eu devo ter raciocinado, estava treinada e fui usando tudo que me desfavorecia a favor da timidez de menina que devia estampar o rosto da Alice. Inclusive, eu murmurava o texto pelos lábios – e mentalmente  tentando me escutar e escutar a voz da Alice dizendo exatamente o que eu estava escutando ali... se funcionou, eu não sei... mas, me perder, que é bom, eu não me perdi. Eu consegui me manter firme e forte, não me atropelar, mesmo quando recebi o sinal pra continuar – quando dei com os lábios, a última linha da história – continuei, rebobinando a fita e recontando tudo de novo, daquele jeitinho que só a Alice podia, mais ninguém.
Ela era única com aqueles óculos imensos, cabelinho cacheado milimetricamente repartido e preso pra trás num rabo-de-cabelo mal sucedido. Usando pouca maquiagem, moleton do Mickey – com o zíper mal abrindo, revelando parte de um casaquinho recatado de lã negra – jeans claro – caindo desajeitado sobre um all star com detalhes de um xadrez em vários tons de azul, incluindo branco. Ombros elevados, querendo encostar nos ouvidos, mãozinhas e perninhas juntinhas, como se quisesse fugir pra ir pro banheiro... e uma voz melosa, chatinha, infantil, carregada de inocência...
E essa voz foi meu tendão de Aquiles... afinei a minha voz e estava rouca, então ela, além de baixa, ficou falha. Depois gripei – ficando completamente congestionada – e, já não conseguia mais puxar o ar pelas vias certas.... e mesmo conseguindo falar e respirar, ainda, o volume continuava baixo demais... e aquilo me desesperava, porque a Alice sem voz, não era Alice, ela foi toda construída a partir dela... o corpo veio a partir da voz, o olhar, a personalidade dela se entendia, só de ouvir. Mas pra minha salvação, o boom estava lá, junto da câmera. E eu pude respirar aliviada. Na hora h, minha voz não falhou, não me faltou o ar... quem sabe aí, a adrenalina tenha mascarado tudo, mas acima de tudo a minha paixão estava ali, nos meus olhos... pra quem quisesse ver.
Senti muitas chamas ardendo dentro de mim, de tantas naturezas... um vulcão... e depois, pude recuperar o fôlego, assistindo os meninos repetirem o que tinha acabado de viver. Assisti, escondida dentro da Alice, e vi um em particular me surpreender, outro corresponder ao talento, no qual eu já acreditava, e de resto, foram tantas, tantas decepções – que se estenderam à praticamente todos, homens e mulheres... meninos e meninas.... Faltou muito pouco pra eu não me frustrar por completo como expectadora, e, antes que isso acontecesse, fui chamada de volta à cena.
Agora, as regras do jogo tinham mudado, permaneceríamos da mesma forma que antes, só que agora a câmera iria chegar junto da gente, apontar pra nós, junto com o comando de troca, e iria nos flagrar de todas as formas possíveis e, inclusive, inimagináveis. Aí, eu já não estava tão nervosa, estava mais calma, mais fria, o incêndio já era menor... mas a tensão ainda estava ali, me mantendo em alerta. Meus ouvidos começaram a me trair, e, por conta da movimentação da câmera, minha visão periférica resolveu me abandonar e eu me sentia completamente desorientada, sem noção alguma de distância e espaço – agoniada, pra ser mais exata. Cheguei dessa vez a me enrolar nas falas, mas consegui improvisar e me encontrar nas palavras certas. Mas me perder, foi extremamente interessante. E porquê? A minha Alice nascia quando dava sua primeira linha de texto e “morria” se não tivesse texto pra dar. Ela estava presa ao texto, não ensinei outras palavras pra ela, além das decoradas de cor e salteado. A euforia dela, a energia, a vida dela estava naquelas que eu ensinei. Fora delas, ela se perdia da vida, de mim – culpa minha, que não ensinei ela a improvisar, a viver além do texto. Sem ele, ela se amedrontava, pouco falava, e pra eu me encontrar com ela de novo, só pelo olhar.
Não pensem que eu fui a atriz mais concentrada, porque não fui, mas fui, definitivamente, e sem medo de errar: a mais apaixonada pela – minha  personagem. Desde que me imaginei com os óculos imensos do Jamil, que comecei a brincar com a minha voz, a pensar em que moletom poderia vestir – naquele da minha grande amiga... Materializar todos os meus delírios na casa dela e derrubar um armário, me preocupando inclusive com o prendedor de cabelo que devia dar pra Alice usar. Me produzi dos pés à cabeça, me reinventei, quis trazer a minha Alice à vida nos mínimos detalhes, provar que ela existia e que eu podia me esconder nela e não ser descoberta.
Eu consegui... me senti feliz, outra, fora de mim, com aqueles all star nos pés e aquele óculos apoiado no meu nariz – que incluía falsas sardas, que derreteram – era muito calor humano da minha pessoa em pleno dia que queria ficar chuvoso.
Eu me diverti com um texto emblemático, que independente da linha que me apontassem pra trabalhar, seria desafiador, e, abraçado por mim. Mas especialmente, com essa linha que escolhi, de acordo com as instruções que me foram passadas, como eu me diverti... me senti entretida e entreti – acredito eu....
Tudo acabou e eu me acalmei em braços amigos, recebendo feedback imediato, e recebi mais. Teve quem gravasse quais foram os meus melhores momentos, mais divertidos... e isso significa, que consegui cativar, conquistar a atenção de quem me assistia. E, não me importa quantos foram. Se eu consegui prender nem que seja um único alguém no meu ato, já posso me considerar mais que realizada.
E eu me considero, sim, mais, muito mais. Eu me conquistei, eu me cativei, eu me prendi na minha menina... não queria abandonar seus óculos, mesmo que não se encaixassem comigo particularmente – senti a separação. É ruim voltar a si, quando se ama tanto sua personagem – corremos esse risco, ou pelo menos, corro eu – é, como se fosse um filho, que você quer se negar a deixar ir embora. Mas os filhos, assim como os personagens, saem um dia, das nossas asas e ganham o mundo – ou, aqui, pra nós, nosso imaginário.
Juro, que desejei mais falas, mais tempo só pra ela... poder vivê-la mais... mas não posso me queixar, fui muito feliz em cena, em todas as minhas cenas dessa semana, e me descobri segura na insegurança, que é a minha paixão... ser atriz.... 

1 comentários:

Shimada at: 22 de agosto de 2011 às 08:07 disse...

Estou orgulhosa! Você está desenvolvendo o melhor Psicologo de si mesma!O melhor resultado em todo esse seu caminho é o privilégio de conhecer-se por completo! Beijos minha estrela maior!

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Making of do Making of

Making of do Making of
Eu queria falar, dizer tudo que sentia, vivia, guardar de algum jeito cada pequeno detalhe, que me transformava em uma mulher, uma Atriz. Assim, eu criei esse espaço... tão meu.... seu.... nosso.... Aqui, eu tenho a minha coxia em forma de livro... um livro aberto de minha autoria — Renata Cavalcante, 28 anos, carioca da gema, prazer.... — narrando os bastidores da minha memória viva desde a preparação de Jeam Pierre até me tornar atriz da Cia. Grito de Teatro de Santa Catarina, numa evolução que vai do querer ser profissional a ser oficialmente reconhecida como tal — o antes e o depois do DRT, aqui pra você!

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