domingo, 12 de fevereiro de 2012

...E eu... me lixei, sem me lixar.


Declaro o fim do festival saliva e agora vou contar como gravei no estilo nem se lixando... nem se lixando pro drama, nem se lixando pro texto – cacos à la vantè, pra desespero de uns, né Jeam Pierre – e pra personagem na minha frente. Considerei desconsiderar ela muito mais interessante e natural, como se fosse respirar. E nem foi só aí que minha consideração foi posta em cheque: todo o entendimento de cena que tínhamos construído, toda a dinâmica, todo o engenho foi pro ralo... – encurralado na dimensão dos ensaios.... – a lixa estava banida do set.
Porquê? Simples: minha casa não ia ser invadida, a intrusa não ia entrar porta a dentro, eu é que ia chegar em casa e constatar que ela já estava lá, de braços cruzados à minha espera. Me desapontei por um lado e não me abalei por outro – quem sabe já estava na personagem e não sabia...?... nada disso!... – fui chegando à conclusão mais racional – o que, pra mim é uma raridaaade – de que não adiantava me desgastar diante do imutável, dar murros em ponta de faca, não ia fazer o Jeam aceitar nosso raciocínio, tendo em vista, que nos equivocamos, então.... se é pra se virar nos 30.... eu me virei!
Com platéia – colaboração de um convidado especial, integrante da equipe do Jeam, produtor dele, que fez as honras de cameraman e nos deu... pra variar... um oooutro ângulo de captura – fui leviana, deslumbrada, cega, má... ruim... péssima! Fiz questão de provocar a Taís o tempo todo – assim como eu já tinha feito durante os nossos ensaios – de fazer ela querer me fuzilar com os olhos, desejar me pegar e me fazer perder o rumo de casa – como eu tive a oportunidade de fazer, quando o texto me permitia e eu ainda me dei a honra de transgredir e ultrapassar todos os limites, pegando ela pelos braços e sacudindo ela firme, pra depois largar e deixar ela completamente perdida, sem chão e tremendo... uma delícia – porém, contudo, entretanto, todavia.... o texto não dava à ela a menor deixa – que peninha.... mentiiiraaaa... nenhuma!... e não, eu não estou na personagem agora.
O prazer de saber que abalava as estruturas dela, a ponto dela começar a me empurrar, querendo me derrubar – e quase conseguindo, porque isso não estava combinado – era meu, da minha personagem, uma coisa muito louca.... e difícil de explicar! Ser má é ser livre, sem pudores, sem cesura, é a personagem mais libertadora que existe, com ela – a maldade – se brinca de verdade, se toca nos pontos mais cruciais, se traça o conflito e o clímax de qualquer história, traz reflexão.... sem ela, não há história... graça. E pra mim, encaixa como uma luva, me dêem só um parêntese, uma indicação mínima ou o mínimo de liberdade que eu me transfiguro com o maior prazer do mundo, porque prefiro trabalhar com as minhas sombras à sofrer – mesmo que esse seja meu maior desafio....
Confesso que estava na minha zona de conforto ali, queria – tinha plena consciência – abalar, destruir, trazer pro chão e eu trouxe o coração dela, a esperança eu fiz questão de matar, fazendo ela não me reconhecer nem como eu... nem como o grande amor que eu – enquanto personagem – fui pra ela um dia, eu era outra mulher. Uma mulher que desesperava ela, que fazia mal, causava repulsa. Eu inventava, criei a partir de uma personalidade que eu construí, linhas que fugiam e ultrapassavam as linhas delimitadas do texto, porque cabiam nos lábios dela – a minha personagem – e as outras eram limitadas demais.
Limites foram realmente discutíveis nessa gravação. Errada ou não, eu fiz a minha colega de cena tremer em cena, e isso, meus amigos, é de um desprendimento que poucos são capazes: demonstrar fraqueza – e seja ela como for e porque for...
Eu adorei sentir o prazer extra-cena – além da... – quando fui atravessar a fiação da camera e recebi o feedback do meu primeiro expectador – o cameraman, aquele amigo do Advogado do Diabo meu preparador querido – dizendo sarcááááásssssstica hein e me deixando boba... mal sabia ele que era tudo que eu queria ouvir e quando a platéia aumentou, paramos pra assistir – eu na posição de diaba, do lado esquerdo do Jeam – e aquele sussurro de quem se deu conta de que eu criei em cima do texto – arrisquei, porque quis dar e dei voz à minha personagem – entrecortado pelo grito final que me chamava – enquanto personagem – de VAAAAAAAACA... foi música para os meus ouvidos!
Ali, pra mim, eu já tinha atingido exatamente o que queria: minha concepção de sucesso. Contrariando, e sem pedir licenças para roubar as suas palavras, mestre Pierre, CAGUEI... ela cagou, minha personagem... cagou pro seu texto, ela se arriscou com a própria voz – fazer o quê? – além do meu aval, e deixou explícitas as suas próprias vontades, a sua verdade. Eu me arrisquei, confesso, mas não me arrependo nem um pouquinho, e sabe.... sabem por quê? É partindo dele, do risco e do erro, que alguém se torna capaz de acertar, não perseguindo os acertos freneticamente, porque assim eles não se deixam alcançar, fogem. E a razão mais importante de todas: ela foi feliz, eu fui, nós duas fomos juntas!
Em cada passo, em cada quadro, em cada reação, em cada retorno que recebi, dentro e fora de cena. Fui vista pelo meu neném – pra quem não sabe, é assim que eu chamo carinhosamente ao Jull Vigano, o irmão do Jamil, que já dispensa apresentações, né messssssmo*?
*lê-se o original, recuse imitações....
.... e não só vista, como reconhecida por ele e pelo cameraman, e sinto muito – naaada – mas eu ganhei a minha noite: me lixando... e sem me lixar hein. 
Um dos meus maiores e melhores momentos dos últimos – todos – os tempos!

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Making of do Making of

Making of do Making of
Eu queria falar, dizer tudo que sentia, vivia, guardar de algum jeito cada pequeno detalhe, que me transformava em uma mulher, uma Atriz. Assim, eu criei esse espaço... tão meu.... seu.... nosso.... Aqui, eu tenho a minha coxia em forma de livro... um livro aberto de minha autoria — Renata Cavalcante, 28 anos, carioca da gema, prazer.... — narrando os bastidores da minha memória viva desde a preparação de Jeam Pierre até me tornar atriz da Cia. Grito de Teatro de Santa Catarina, numa evolução que vai do querer ser profissional a ser oficialmente reconhecida como tal — o antes e o depois do DRT, aqui pra você!

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