Declaro o fim do festival saliva e agora vou contar como gravei no estilo nem se lixando... nem se lixando pro drama, nem se lixando pro texto – cacos à la vantè, pra desespero de uns, né Jeam Pierre – e pra personagem na minha frente. Considerei desconsiderar ela muito mais interessante e natural, como se fosse respirar. E nem foi só aí que minha consideração foi posta em cheque: todo o entendimento de cena que tínhamos construído, toda a dinâmica, todo o engenho foi pro ralo... – encurralado na dimensão dos ensaios.... – a lixa estava banida do set.
Porquê? Simples: minha casa não ia ser invadida, a intrusa não ia entrar porta a dentro, eu é que ia chegar em casa e constatar que ela já estava lá, de braços cruzados à minha espera. Me desapontei por um lado e não me abalei por outro – quem sabe já estava na personagem e não sabia...?... nada disso!... – fui chegando à conclusão mais racional – o que, pra mim é uma raridaaade – de que não adiantava me desgastar diante do imutável, dar murros em ponta de faca, não ia fazer o Jeam aceitar nosso raciocínio, tendo em vista, que nos equivocamos, então.... se é pra se virar nos 30.... eu me virei!
Com platéia – colaboração de um convidado especial, integrante da equipe do Jeam, produtor dele, que fez as honras de cameraman e nos deu... pra variar... um oooutro ângulo de captura – fui leviana, deslumbrada, cega, má... ruim... péssima! Fiz questão de provocar a Taís o tempo todo – assim como eu já tinha feito durante os nossos ensaios – de fazer ela querer me fuzilar com os olhos, desejar me pegar e me fazer perder o rumo de casa – como eu tive a oportunidade de fazer, quando o texto me permitia e eu ainda me dei a honra de transgredir e ultrapassar todos os limites, pegando ela pelos braços e sacudindo ela firme, pra depois largar e deixar ela completamente perdida, sem chão e tremendo... uma delícia – porém, contudo, entretanto, todavia.... o texto não dava à ela a menor deixa – que peninha.... mentiiiraaaa... nenhuma!... e não, eu não estou na personagem agora.
O prazer de saber que abalava as estruturas dela, a ponto dela começar a me empurrar, querendo me derrubar – e quase conseguindo, porque isso não estava combinado – era meu, da minha personagem, uma coisa muito louca.... e difícil de explicar! Ser má é ser livre, sem pudores, sem cesura, é a personagem mais libertadora que existe, com ela – a maldade – se brinca de verdade, se toca nos pontos mais cruciais, se traça o conflito e o clímax de qualquer história, traz reflexão.... sem ela, não há história... graça. E pra mim, encaixa como uma luva, me dêem só um parêntese, uma indicação mínima ou o mínimo de liberdade que eu me transfiguro com o maior prazer do mundo, porque prefiro trabalhar com as minhas sombras à sofrer – mesmo que esse seja meu maior desafio....
Confesso que estava na minha zona de conforto ali, queria – tinha plena consciência – abalar, destruir, trazer pro chão e eu trouxe o coração dela, a esperança eu fiz questão de matar, fazendo ela não me reconhecer nem como eu... nem como o grande amor que eu – enquanto personagem – fui pra ela um dia, eu era outra mulher. Uma mulher que desesperava ela, que fazia mal, causava repulsa. Eu inventava, criei a partir de uma personalidade que eu construí, linhas que fugiam e ultrapassavam as linhas delimitadas do texto, porque cabiam nos lábios dela – a minha personagem – e as outras eram limitadas demais.
Limites foram realmente discutíveis nessa gravação. Errada ou não, eu fiz a minha colega de cena tremer em cena, e isso, meus amigos, é de um desprendimento que poucos são capazes: demonstrar fraqueza – e seja ela como for e porque for...
Eu adorei sentir o prazer extra-cena – além da... – quando fui atravessar a fiação da camera e recebi o feedback do meu primeiro expectador – o cameraman, aquele amigo do Advogado do Diabo meu preparador querido – dizendo sarcááááásssssstica hein e me deixando boba... mal sabia ele que era tudo que eu queria ouvir e quando a platéia aumentou, paramos pra assistir – eu na posição de diaba, do lado esquerdo do Jeam – e aquele sussurro de quem se deu conta de que eu criei em cima do texto – arrisquei, porque quis dar e dei voz à minha personagem – entrecortado pelo grito final que me chamava – enquanto personagem – de VAAAAAAAACA... foi música para os meus ouvidos!
Ali, pra mim, eu já tinha atingido exatamente o que queria: minha concepção de sucesso. Contrariando, e sem pedir licenças para roubar as suas palavras, mestre Pierre, CAGUEI... ela cagou, minha personagem... cagou pro seu texto, ela se arriscou com a própria voz – fazer o quê? – além do meu aval, e deixou explícitas as suas próprias vontades, a sua verdade. Eu me arrisquei, confesso, mas não me arrependo nem um pouquinho, e sabe.... sabem por quê? É partindo dele, do risco e do erro, que alguém se torna capaz de acertar, não perseguindo os acertos freneticamente, porque assim eles não se deixam alcançar, fogem. E a razão mais importante de todas: ela foi feliz, eu fui, nós duas fomos juntas!
Em cada passo, em cada quadro, em cada reação, em cada retorno que recebi, dentro e fora de cena. Fui vista pelo meu neném – pra quem não sabe, é assim que eu chamo carinhosamente ao Jull Vigano, o irmão do Jamil, que já dispensa apresentações, né messssssmo*?
*lê-se o original, recuse imitações....
.... e não só vista, como reconhecida por ele e pelo cameraman, e sinto muito – naaada – mas eu ganhei a minha noite: me lixando... e sem me lixar hein.
Um dos meus maiores e melhores momentos dos últimos – todos – os tempos!
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